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terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

"Histórias de adeptos" - 2ª parte

Como prometido na semana passada (Parte I), aqui fica a Parte II da aventura do Narciso com o Pinto em Coimbra.

O Pinto
Parte II

A acção da polícia foi rápida e eficiente na sua salvaguarda e fez debandar os energúmenos à frente dos decisivos chanfalhos.
Dois deles tiveram azar...
Exactamente do lado contrário, a meio da bancada descoberta, estava o Pinto sentado a meu lado. Estranhamente acomodado, de transistor colado ao ouvido, os olhos grandes grudados ao relvado, silencioso, anónimo...
Quis o acaso que, perseguidos por um cívico obstinado, três dos adeptos "estudantes", atravessado o relvado em fuga, viessem retomar às bancadas precisamente em frente a nós.
O Pinto "acordou"!
Lançado pelos ares o radiozinho de pilhas, o Pinto galgou os quatro ou cinco degraus em menos tempo que o diabo esfregou o olho, aplicou as mãos sapudas no pescoço do fugitivo mais ágil, aplicou-lhe um cheiro de brilhantina no nariz e o desgraçado caiu redondo no cimento áspero... Ao segundo, que ainda se esfalfava para subir o pequeno gradeamento, o Pinto encostou a proeminente pança e deu-lhe um "chega p'ra lá" com uma vigorosa palmada na testa que derrubou de costas irremediavelmente o infeliz...
Vendo isto, o terceiro larga lesto a bandeirita negra, faz meia-volta lançada e, ironia das ironias, corre desaustinado a pedir protecção ao polícia que segundos antes o perseguia e que, já de costas, voltava às origens...
A cena foi verdadeiramente inesperada, breve e grotesca.
O Pinto, tarefa cumprida, ufano das suas poderosíssimas razões, agora barafustava, gesticulava furiosamente, justificava-se aos circunstantes... "grandes cabrões, filhos da puta, a querer bater no Domingos... ai se fosse em Aveiro... bebiam a água da ria toda...", etc, etc.
Vermelho como um tomate maduro, veias do pescoço salientes, gestos ríspidos e olhar furibundo, o Pinto pregou, pregou, pregou...
Eu estava lívido, siderado! O gajo perdera de todo as estribeiras e pior,não estávamos mesmo em Aveiro...
Menos mal, em torno o ambiente parecia não ter aquecido na proporção do caso. À surpresa inicial sucederam-se comentários de circunstância, uns ditos jocosos, essencialmente um tom de risota.
Depois o Pinto foi-se acalmando, diminuiu substancialmente os decibéis, já dava troco às piadas, tudo parecia ter regressado à normalidade.
Parecia... parecia... No final da partida, o Pinto tinha uma "recepção de cumprimentos" preparada.
Uns sete ou oito valentões foram-se chegando discretamente, foram apertando a saída, foram-no envolvendo como quem não quer a coisa...
O Pinto era de olho vivo, percebeu a tramóia... ainda sacudiu as asas, fez finca-pé, o Pinto também não era homem de se acobardar, mas os tipos eram muitos, eram grandes, a correlação de forças não era animadora, o cenário inspirou-lhe uma sábia contenção.
Pareceu-me mesmo ter visto o Pinto sem aqueles belos tons rosados que lhe costumavam colorir as faces... Conversa, eu a gozar, ripostaria ele mais tarde.
A coisa esteve preta mas o Pinto safou-se. Valeu-lhe o feliz acaso de naquele sítio e naquele momento nós sermos mais... e depressa o Pinto recuperou a sua pose futeboleira de "tiffosi" provocador, galhofeiro e fanfarrão.
Pela Rua do Brasil abaixo, janela aberta, tronco nu, braço de fora, dedo médio em riste, o Pinto em grande...
E nem o Fiat pedia água, nem eu levantava o pé...
Nunca mais fui à bola c'o Pinto!...

O Pinto vive hoje na Alemanha. De então para cá muita coisa mudou na vida dele. Só não mudou o que mesmo longe continua a sentir: uma grande paixão pelo Beira Mar!

Narciso Cruz

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